Incentivar o pensamento original

 


Autoras

Djaine Damiati: Cátedra UNESCO em Educação Aberta e Tecnologias para o Bem Comum – UnB

Débora Sebrian: Grupo de pesquisa Iniciativa Educação Aberta – UnB

Isabela Campos Menezes: UNESP e Cátedra UNESCO em Educação Aberta e Tecnologias para o Bem Comum – UnB


 

    O conceito de genialidade e a ideia de inovação criativa adquiriram centralidade já no Renascimento, no bojo de um imaginário social que impulsionou descobertas e invenções como a teoria heliocêntrica, o astrolábio, perspectiva geométrica e outras que até hoje, alicerçam o arcabouço técnico e científico da humanidade. (Burckhardt, 1990). 
    Na era moderna, a ideia de inovação seguiu sendo uma espécie de motor para os ideais de desenvolvimento nas sociedades ocidentais (Schumpeter, 1988) e embora esta noção tenha se modificado ao longo do tempo, partindo de uma visão exclusivamente voltada ao progresso técnico,  para abranger posteriormente, outros aspectos como sustentabilidade e impacto social (Plonski, 2017), o incentivo à capacidade de pensar de forma original e o estímulo à criação nunca foi tão demandado e valorizado como nos dias atuais, moldando práticas e processos em diferentes âmbitos sociais, incluindo o campo da educação.

Incentivo ao pensamento original na educação: algumas abordagens

    Buscando alinhar os processos de ensino-aprendizagem ao ideal de valorização do pensamento original como base para construção do conhecimento técnico-científico e dos processos de inovação, entre os séculos XX e XXI, diferentes abordagens teóricas e metodológicas da educação discutiram e propuseram formas de incentivar o pensamento original e a criatividade nos mais diversos contextos. Desde as mais clássicas até as mais inovadoras, as abordagens trazem fundamentos que são caracterizados por elas, como formas de favorecer o pensamento original e a criatividade. Entre estes fundamentos, destacamos: 

  1. Papel ativo do indivíduo – O pensamento original é incentivado quando pessoas enfrentam problemas reais e são incentivados a formular suas próprias hipóteses, experimentando soluções e refletindo sobre os resultados encontrados (Dewey, 2023); 
  2. Autonomia e criticidade – Quanto mais os indivíduos são implicados enquanto seres no mundo, mais estes se sentirão desafiados (Freire, 1997, 2002);
  3. Colaboração e diálogo – A aprendizagem colaborativa e o trabalho em grupo favorecem o desenvolvimento de habilidades cognitivas complexas e a criatividade (Vygotsky, 1986) e o processo de ensino baseado em debates desafia ideias preconcebidas e criar um ambiente favorável à exploração de ideias próprias. (Postman & Weingartner, 1969).
  4. Flexibilidade e adaptabilidade – quando a educação é adaptável às necessidades e interesses das pessoas, ela favorece o desenvolvimento da criatividade, o pensamento crítico e a inovação (Dewey,1923);
  5. Exploração e experimentação – pessoas ativamente envolvidas na criação de algo aprendem melhor (Papert, 1980; Postman & Weingartner, 1969).

Diálogos com os princípios da Educação Aberta

    A Educação Aberta possui características que dialogam com todos os fundamentos mencionados, uma vez que incentiva a: inclusão valorizando diferentes experiências e conhecimentos, ampliando repertório cultural e intelectual; Adaptabilidade permite adaptações de recursos educacionais para atender às necessidades e realidades locais; Colaboração e compartilhamento, favorece a construção coletiva do conhecimento, levando os indivíduos a refinar e inovar em suas próprias criações; Acesso aberto permite que mais pessoas explorem, questionem e construam sobre ideias existentes, fomentando a criatividade e a produção de novos pensamentos; Tecnologias abertas permite que os usuários explorem e desenvolvam projetos de forma autônoma e inovadora.

O pensamento original na era do remix

    A noção de pensamento original tem se transformado bastante. Um dos motivos é a profusão de informações e as formas de colaboração proporcionadas pela web, fazendo com que o pensamento original abrisse maior espaço para formas de remix.
    O conceito de remix diz respeito ao ato de recombinar, reinterpretar e transformar, de forma criativa, conteúdos que já existem, gerando novos significados, aprendizagens e perspectivas (Amiel, 2014). Assim, a ideia de originalidade, não está mais necessariamente ligada ao novo, mas ao que adquire valor em novos contextos.
    Ao elaborar um dos princípios mais influentes da filosofia pragmatista, a semiose, Peirce afirmou que os signos não surgem do nada, mas estão ligados em uma rede contínua de significados, por isso toda representação ou interpretação dependerá de outros signos (Peirce,1931-1958). Trata-se da popular ideia de que “nada vem do nada”, adotada posteriormente por outras correntes filosóficas no ocidente e reforçada contemporaneamente por autores como Austin Kleon que afirma: afirma: “Todo trabalho criativo é construído sobre o que veio antes. Nada é totalmente original” (Kleon, 2012).
    O próprio conceito de inovação sofreu notória influência deste novo paradigma, e hoje, diferentes autores o posicionam muito mais próximo à capacidade de gerar valor com mudanças capazes de responder a determinadas necessidades, do que à criação do novo propriamente dito. Perspectiva com a qual se alinham os princípios da Educação Aberta, que nesse cenário, ganha força e torna-se instrumento da inovação. Incentivar a criação e remix de recursos e práticas educacionais promove o desenvolvimento e compartilhamento de novas soluções, resolvendo problemas comuns e estimulando o pensamento inovador para adaptar e criar soluções específicas para diferentes realidades locais.
    Dessa forma, a Educação Aberta não apenas democratiza o acesso ao conhecimento, mas também estimula a criatividade, a autonomia e o pensamento crítico, consolidando-se como um pilar essencial para o desenvolvimento de sociedades mais inclusivas e inovadoras.


Dmytro Ivashchenko, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

 

Referências

  • Amiel, T. (2014). O uso do remix na educação e as novas formas de produção de conhecimento. Revista Brasileira de Educação, 19(60), 587-603.
  • Burckhardt, J. (1990). A civilização do Renascimento na Itália (G. L. Aranha, Trad.). Editora Unesp. (Obra original publicada em 1860).
  • Christensen, C. (1997). The Innovator’s Dilemma: When New Technologies Cause Great Firms to Fail.
  • Dewey, J. (2023). Experiência e educação. Editora Vozes.
  • Drucker, P. F. (1985). Innovation and entrepreneurship: Practice and principles. Harper & Row.
  • Freire, P. (1987). Pedagogia do oprimido (21ª ed.). Paz e Terra. Available from: https://pibid.unespar.edu.br/noticias/paulo-freire-1970-pedagogia-do-oprimido.pdf/view
  • Freire, P. (2002). Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa (25ª ed.). Paz e Terra.
  • Furtado, D., & Amiel, T. (2019). Guia de bolso da educação aberta. Iniciativa Educação Aberta.
  • Kleon, A. (2012). Steal like an artist: 10 things nobody told you about being creative. Workman Publishing.
  • Papert, S. (1980). Mindstorms: Children, computers, and powerful ideas. Basic Books.
  • Peirce, C. S. (1931-1958). The Collected Papers of Charles Sanders Peirce. Vol. 2, Elements of Logic. Harvard University Press.
  • Postman, N., & Weingartner, C. (1969). Teaching as a subversive activity. Delacorte Press.Vygotsky, L. S. (1986). Thought and language (A. Kozulin, Trans. & Ed.). The MIT Press.

 

Licença
Licence Creative Commons

Este artigo de Djaine Damiati e Débora Sebrian e Isabela Campos Menezes está disponível sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.

Soyez le premier à commenter

Poster un Commentaire

Votre adresse de messagerie ne sera pas publiée.


*


*